A complexidade do nosso sistema tributário e suas distorções vêm, há décadas, afetando negativamente a economia, a competitividade das empresas e a vida dos cidadãos brasileiros.
Desse cenário decorre a absoluta necessidade de reforma tributária, cuja importância é reconhecida por todos que a debatem, limitando-se as divergências existentes exclusivamente à forma como as mudanças legislativas devem ser promovidas.
Adotado o modelo que for, será sempre mandatório que o debate intenso e o exame profundo de todas as mudanças propostas sejam realizados com serenidade e sem qualquer açodamento, de forma a que todas as possíveis consequências das novas regras sejam previstas, analisadas e ajustadas com a cautela que a importância do tema aconselha.
Na semana passada, os deputados Aguinaldo Ribeiro e Reginaldo Lopes apresentaram relatório das conclusões a que chegou o Grupo de Trabalho da Câmara dos Deputados instituído especialmente para o exame da reforma da tributação do consumo, nos termos propostos pelas PECs 45/19 e 110/19.
Além de vago na maior parte das suas abordagens, o relatório, muito estranhamente, veio desacompanhado do substitutivo que aglutinaria todas as sugestões nele contidas.
A disponibilização e publicação desse substitutivo foi prometida somente para o dia 20 de junho, e a sua votação, segundo afirma o presidente da Câmara dos Deputados, deputado Arthur Lira, está prevista para a primeira semana de julho.
Se cumpridas essas promessas, contribuintes, os fiscos das três esferas da Federação e parlamentares da Câmara terão, no melhor dos mundos, 13 dias úteis para examinar a qualidade e adequação das regras que mudarão, de forma absolutamente disruptiva, a tributação do consumo no País.
A que se presta tal açodamento? A quem interessa?
Recentemente, quando da votação do PL 2337/21, que tratava de polêmicas e relevantíssimas alterações na legislação tributária, vimos, em absoluto estado de perplexidade, esse projeto ser aprovado sem que sequer tivesse sido lido pelos parlamentares pertencentes àquela mesma Casa Legislativa!
Uma afronta à democracia e ao Estado Democrático de Direito.
O temor de que tal violação venha novamente a ocorrer é ainda mais agravado pela notícia de que o procedimento escolhido pelo presidente da Câmara dos Deputados para conduzir a discussão parlamentar do referido substitutivo, suprime o seu usual trâmite nas comissões que, em regra, o examinariam. O substitutivo será enviado diretamente ao Plenário.
Essa estratégia, muito semelhante à utilizada para aprovar o novo marco fiscal do país, dificultará sobremaneira, e de forma não usual, a aprovação de eventuais emendas que venham a ser oferecidas pelos parlamentares, fazendo com que a tendência seja a de que o texto principal se mantenha na forma em que originalmente redigido, sem alterações.
Há que se ter em mente que as decisões tomadas pelo Parlamento na tramitação desse projeto, bem como a redação das normas propostas, serão definitivas e afetarão toda a economia, além das relações entre os entes federados (União, Estados e Municípios) e entre os fiscos e os contribuintes.
Somente um exame profundo e detalhado das novas normas e o debate profícuo do seu conteúdo permitirão que as consequências da reforma proposta sejam previsíveis e o menos nocivas possível à sociedade brasileira.
A análise cuidadosa do texto do substitutivo permitirá que sejam identificados os impactos econômicos, sociais e jurídicos de cada medida proposta. Além disso, possibilitará uma avaliação mais precisa de como as mudanças tributárias afetarão diferentes setores econômicos, bem como a capacidade do Estado de cumprir suas funções e garantir justiça fiscal.
É necessário um debate amplo e transparente, que envolva especialistas, representantes da sociedade civil, setores produtivos e todos os atores envolvidos. A reforma tributária deve ser construída de forma coletiva, levando-se em consideração as necessidades e realidades de diferentes regiões e setores da economia brasileira.
É fundamental que a redação desse substitutivo seja examinada de maneira responsável, com base em estudos técnicos e análises aprofundadas. Assim, será possível alcançar um consenso sólido e sustentável, que promova a justiça fiscal, estimule o crescimento econômico e melhore a vida dos cidadãos brasileiros.
Sob pena de frontal violação aos princípios basilares do Estado de Direito – que pressupõem que as normas, principalmente as constitucionais, sejam produto de debates aprofundados e conscienciosos entre aqueles que democraticamente representam o povo -, é mandatório que sejam evitados os açodamentos e a adoção de procedimentos tendentes a dificultar alterações dos textos propostos no âmbito da Câmara dos Deputados.
Somente assim, poderemos construir um sistema tributário mais justo, eficiente e adequado aos desafios e necessidades do Brasil contemporâneo, evitando-se, a todo custo, que males maiores e piores venham a ser criados no afã da promoção de mudanças impensadas.
Urge, portanto, que o texto do substitutivo seja imediatamente disponibilizado aos parlamentares e à sociedade para que o seu teor seja por todos examinado e debatido; que ele tramite por todas as comissões que viabilizem a sua análise, sob todos os enfoques (jurídico, econômico, social, político, orçamentário, entre outros); que sejam realizadas audiências públicas, de forma a que os vários segmentos da sociedade brasileira possam se manifestar quanto a possíveis equívocos ou inconsistências nele contidas; que, enfim, todas as medidas sejam tomadas no sentido de que essa reforma propicie, sem açodamentos, efetiva melhoria do sistema tributário brasileiro. |
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